Este site começou em 2006 como blog e hoje ainda não perdeu esse cunho, mas é muito mais. É um registo do que tenho observado no panorama de Comunicação Digital desde um tempo em que não havia Facebook e falar de internet era fazer o interlocutor revirar os olhos.

Surgiu a web 2.0, as primeiras redes sociais, os primeiros fenómenos sociais e económicos que eram motivados pelo ambiente digital. Desde flash mobs a empresas que fecharam como resultado a crises de relações públicas. Portugal não foi excepção, a Web levou à queda da marca Ensitel.

As empresas acordaram rapidamente e refugiaram-se nas agências de marketing, estive em algumas como Social Media Manager, participei nas estratégias de comunicação onde as redes sociais estavam sempre a orbitar os meios mais tradicionais ou a ser o único elemento da proposta. Curiosamente, nunca foram verdadeiramente o centro durante os primeiros anos. Vieram a tornar-se no elemento central quando as Marcas se comprometeram a dar formação aos profissionais de marketing e a contratar especificamente para comunicação digital.

Há 15 anos fazia sentido chamar a este lugar blog e dar-lhe o título de “Relações Públicas Online”. Hoje a Comunicação das empresas é fundamentalmente digital, e eu já me apresento como Estratega de Comunicação sem precisar de explicar o que significa “ser Digital”.

Ao mesmo tempo, o panorama das redes sociais desfragmentou. A Yahoo! perdeu o seu poder como motor de busca; o Faceook alargou a oferta de aplicações e mercado de anúncios; as redes sociais nascem e morrem mais devagar. Já ninguém se lembra do Haiku, do Vine, ou do MySpace.

No meio disto tivemos o começo da era das startups. A WebSummit cresceu ao ponto de ocupar pavilhões com mais participantes do que um estádio de futebol. Depois de serviços online como o Spotify, a Netflix, surgem a Uber e empresas cujo modelo de negócio faz a ponte entre o que é digital e analógico.

Onde ficamos nós?

Nesta súmula histórica parece que ser Humano é apenas ser um interface para fazer dinheiro e tempo fluir nestes canais digitais. Ficámos à mercê de canais de comunicação privatizados.

O Marketing tinha aprendido a apoiar-se nas estatísticas, nos números dos canais digitais, e tremeu quando se leu pela primeira vez “Regulamento Geral de Protecção de Dados”.

Os valores democráticos não resistiram ao algoritmo do Facebook, a nossa saúde mental também não.

A desinformação generalizada pelos algoritmos que premeiam a interacção sem noção da qualidade informativa tornou-se em pandemia sem vacina em vista.

Como é que isto nos aconteceu? A resposta não é muito complexa.

As empresas sempre tiveram como objetivo ter lucro, e foi o que fizeram num panorama de comunicação digital sem qualquer guia de ética, deontologia, ou moral.

Nós, sempre fomos instintivamente sociais e recorremos às redes sociais como escapismo e optimização do tempo que passamos enfiados em transportes públicos. No quotidiano e corre-corre queremos empatia e contato com pessoas que pensam e sentem como nós. Queremos encontrar pessoas como nós e estamos dispostos a passar horas a fazer swipe para as encontrar.

Sem regulação ou contenção chegámos ao ponto em que estamos no ponto de saturação. Há demasiadas redes sociais, demasiadas notificações, demasiadas exigências. A Apple reagiu com novas opções de controlo das notificações, e até os engenheiros da Google ergueram a bandeira da protecção individual face a estas pressões incessantes.

Bots, os Agentes Digitais

As redes sociais que conseguiram aguentar-se durante os últimos dez anos não vão sumir. Não há rebranding que limpe o cadastro do Facebook, se é que é essa a sua Meta. Estas empresas vão continuar a querer fazer lucro e estão dispostas a pisar a fronteira do que é razoável até que alguém lhes diga para parar.

Podemos dizer que a invasão já começou porque a acção dos canais digitais já não está limitada aos computadores e aos telemóveis. A Alexa ocupa um lugar na sala de estar, a Siri está sempre connosco, o Google Assistant sabe qual é o nosso restaurante favorito.

Na minha perspectiva isto ainda é coisa de early adopters. Conheço poucas pessoas com o hábito de usar a Siri ou que tenham conversas com a Alexa. Estes assistentes virtuais ajudam-nos com informação pontual ou com tarefas simples. “Lembra-me de comprar fruta quando chegar ao super mercado.”

“Liga as luzes da sala.”

É uma questão de tempo mas ainda não estamos no panorama de uma verdadeira inteligência artificial ao alcance de qualquer pessoa. E mesmo estando, é tecnologia que está a amadurecer. Na visão do Elon Musk, a inteligência artificial pode ser algo que faz tanto parte de nós como nós dela.

Enquanto não verificamos o apogeu da inteligência artificial podemos esperar que surjam cada vez mais destes assistentes digitais e que nos tragam um valor cada vez maior. Podem ser mecanismos para nos poupar tempo ao tratar de tarefas aborrecidas, ou podem ir ao ponto de ser um segundo cérebro.

O mundo dos assistentes digitais

Nas tarefas simples a oferta é cada vez maior. Desde o famoso IFTTT que observa o que acontece online para executar tarefas pré-definidas, ao Zapier. Este último permite criar fluxos de acções complexos para pessoas e empresas terem processos de trabalho e de comunicação automatizados.

A Aurora é um excelente exemplo de aplicação de um assistente digital a um problema concreto e complexo.

A Aurora é uma especialista em bebés e crianças que está sempre disponível para conversar contigo e te ajudar a desvendar os mistérios do sono dos mais pequenos ou te esclarecer dúvidas acerca da amamentação. Pelo Messenger do Facebook, a Aurora está sempre online, para ti.

Passo a passo, a Aurora ajuda as famílias a cuidar dos mais novos. Ensina aos pais quais são os sinais a que devem estar atentos, partilha sugestões comprovadas para que as crianças tenham um ritmo de sono mais saudável.

E o que queremos são assistentes digitais mais como a Aurora, algo que tenha impacto positivo na nossa qualidade de vida. Queremos que a tecnologia seja uma fonte de energia e não um desgaste psicológico como aquele causado pelas redes sociais.

As empresas têm investido o seu tempo e dinheiro na construção de chatbots que na realidade se tornam em mais uma notificação incómoda. Estes assistentes digitais estão à nossa espera nos sites e metem conversa ao primeiro sinal de inércia.

Não, eu não quero subscrever à newsletter. Obrigado, mas não preciso de ajuda, estou a ler o site.

Mas quero que um assistente digital organize as minhas faturas, identifique os emails importantes, ou faça pesquisas por mim. Também quero que ele não viva num servidor de outra empresa ou que a informação que ele guarda sobre mim seja usada para me manipular.

O Johnny Five é um assistente digital que eu programei para facilitar uma série de pequenos aborrecimentos quotidianos. Acredito que um ser como o Johnny seria útil para muita gente e que com o tempo vamos começar a ver avanços neste campo. Mas até lá ainda sinto as empresas perdidas na forma de usar assistentes digitais na sua comunicação, sejam eles chat bots, ou outros do género.

Estão focadas no lucro, e só interrompem a nossa concentração para nos tentar vender qualquer coisa. Noutros bastidores há guerras de outros bots e assistentes digitais.

High-frequency trading (HFT) já é um termo antigo e caracteriza-se pela compra e venda de acções com base num algoritmo. Isto permite uma reacção muito mais rápida às alterações do mercado e a possibilidade de fazer lucro sem precisar de interacção humana.

Até este ano, isto sempre foi coisa de conversa de café. “Eles lá fora…”, “Aqueles gajos que sabem muito disto…”esses eram os que sabiam de HFT e os que faziam mexer estes bots e assistentes digitais.

Hoje, há bots a ser usados para todo o tipo de fins e a abanar industrias inteiras. No retalho são usados para comprar produtos em edição limitada. No Instagram servem para inflacionar seguidores e por consequência enviesar a percepção de importância e relevância que atribuímos a pessoas e conteúdos. Foi o que se viu no documentário Fake Famous.

Os agentes digitais são um ponto de preocupação para as empresas por estas duas razões. Porque mal usados pela empresa são prejudiciais à experiência de compra e comunicação. E sem o mínimo de proteção contra estes bots as empresas arriscam danos financeiros e de reputação.

O que é que nos espera?

Estes agentes digitais já têm algum impacto no quotidiano das pessoas e empresas. É natural que os venhamos a adoptar da mesma forma que adoptámos as redes sociais, pelo menos enquanto eles cumprirem o seu propósito sem se tornar tóxicos.

É natural que também venham a ter um papel em várias partes da comunicação empresarial. Além do contato automatizado com stakeholders, podem um dia analisar as estatísticas de interação, sugerir campanhas, e alguns já fazem gestão das mesmas. (Publicidade Programática)

Isto coloca em causa o papel dos profissionais de comunicação nas empresas, por outro lado, requer que seja feito um trabalho de branding mais exaustivo de modo a assegurar a coerência do comunicação digital, programática ou não.

Noutra perspectiva, automatizar estas tarefas liberta-nos para poder comunicar de modo mais humano nos canais digitais. Se o relatório for automático, temos mais energia para analisar, contextualizar e sugerir mudanças qualitativas. Se o robot consulta a nossa agenda e marcas as reuniões, podemos concentrar-nos mais na qualidade do contato pessoal.

Numa visão positiva, estes agentes digitais vão trazer-nos mais qualidade de vida. No reverso da medalha vamos ter bastanes atritos com os agentes digitais que olharem para nós como meros instrumentos para um fim.

Acredito mais na visão negativa pela falta de informação que existe sobre o que é inteligência artificial e o seu uso.

Gregory MS, o melhor para o fim

Depois do Johnny Five dediquei-me a um assistente digital com um propósito mais nobre do que organizar faturas, anotar tarefas, e ler emails.

O Gregory MS vive algures em França e passa os dias a recolher artigos de Neurologia que analisa para encontrar os que são mais relevantes para melhorar a qualidade de vida de pessoas com Esclerose Múltipla.

No campo da Comunicação Digital o Gregory não é apenas um robot. Ele é uma personalidade, uma Marca com o seu próprio branding, com um tom de voz, com um propósito.

Não é uma inteligência artificial mas tem um algoritmo de machine learning (ML) que utiliza para analisar o título e abstract dos artigos. Por ser uma área sensível, o Gregory só consulta 10 websites dedicados à investigação científica.

Para divulgar o seu trabalho, o Gregory participa no Twitter e envia newsletters semanais a quem subscreveu.

Na sua diligência constante o Gregory já recolheu mais de 5000 artigos, e surgem daqui várias questões de Comunicação e Gestão de Stakeholders.

Não tendo participação de alguém com formação em medicina, que validade se deve dar a estes resultados?

Tornando-se relevante para profissionais de saúde torna-se também relevante para laboratórios de investigação. Como é que uma empresa se relaciona com um assistente digital? Qual é o nível de risco envolvido?

Como é que a informação que ele identifica como relevante pode ser usada para apoiar a inovação na medicina?

As publicações de onde o Gregory recolhe informação, devem apoiar ou travar a pesquisa feita por ele?

Sendo de acesso livre e aberto, num volume de mil pessoas por semana, vai suscitar dúvidas por parte de pacientes e cuidadores. Será que a comunidade médica pode deixar entrar um assistente digital no seu meio? E de que forma?

O Gregory nasceu para servir uma comunidade muito específica, e agora é importante abrir o diálogo sobre qual é o seu valor e de que modo se pode transformar num acelerador da investigação cientifica.

Mas por agora, conversar com as pessoas sobre bots e assistentes digitais ainda é razão para fazer o interlocutor revirar os olhos.

Unsplash LogoTara Winstead