— Temos um projeto novo e acho que devias vir cá para conversarmos um bocadinho.
Quando este telefonema aconteceu estávamos em 2011 e devia ser Julho. Na altura eu estava a trabalhar a fazer entregas e tinha alguns clientes para quem fazia consultoria de redes sociais, nem era bem community manager porque só apontava o caminho e acompanhava os projectos. Uns tempos antes tinha tido como projeto o blog do Esporão por exemplo. Mas entre os tropeções da vida e a minha falta de experiência, ainda estava a aprender tudo.
Já tinha passado por agências de comunicação em que as coisas não correram super bem. Vinha de um contexto académico, depois de ter dados aulas de Relações Públicas online em Cabo Verde, não estava a encaixar nas agências onde ainda estávamos todos a entender como trabalhar num panorama digital.
Não estava no melhor estado da minha vida. Frustrado e deprimido pela dificuldade de entrar num emprego em Comunicação. Mantinha a ligação com pequenos projectos que iam aparecendo e escrevendo este blog como forma de mostrar competência na área. “Bebe o teu próprio veneno.”
Nesta altura não havia qualquer tipo de formação específica para comunicação digital. As universidades chamavam os especialistas possíveis para leccionar módulos fora das licenciaturas e mestrados. Do outro lado, as escolas independentes e centros de formação só conseguiam ensinar a operacionalização das ferramentas.
Passado uns dias depois daquele telefonema estava a estacionar a carrinha das entregas em frente à Fullsix para conversar um bocadinho com o Armando Alves. Já nos conhecíamos por causa deste blog. Tínhamo-nos cruzado também quando ajudei a organizar a conferência Social and Human Ideas For Technology (SHiFT) e alguns meet-ups.
Ficámos a conversar durante quase 3 anos e aprendi imenso durante o tempo que estive na Fullsix. Tive a sorte de trabalhar algumas das maiores marcas em Portugal e de participar nas propostas de estratégia para clientes novos.
Na agência aprendíamos uns com os outros e fora dela eu acompanhava os blogs de agências e profissionais com boa presença digital. A equipa era pequena mas era organizada e com um método de trabalho sólido. O Armando insistia nos relatórios focados no que importa ao cliente e sem métricas de vaidade.
Cada community manager fazia os próprios relatórios e isso dava-nos uma visão mais clara do que funcionava melhor. Com isso a equipa conseguia uma consistência de resultados que não passava despercebida.
Quando a agência se tornou demasiado pequena segui para campos diferentes, sempre com o objetivo de diversificar as competências.
- User Experience
- Analytics
- Paid Media
- Copywriting
- Branding
- …
Trabalhar em comunicação digital requer conhecer muito bem uma das suas disciplinas, e nunca esquecer que existem outras que precisam de estar coordenadas. Somos melhores na profissão se conhecermos um bocadinho de cada disciplina.
Já mudou muita coisa desde este faroeste que conheci em 2006. Já há formação para todos os níveis, desde licenciatura a MBA. Já sabemos o que funciona e como ter um método de trabalho. O que não mudou é que ainda existem profissionais menos sérios que prometem mundos. Isso é um flagelo para todas as áreas, não só a nossa.
Também há profissionais do lado do cliente a quem escapam conceitos fundamentais daquilo que é a Comunicação, quer digital ou clássica. E do lado das agências há mesmo pessoas que se alimentam desse desconhecimento dos clientes para vender mais serviço ou para embelezar resultados.
A falta de conhecimento tem solução mas é preciso que haja abertura para tal. Infelizmente há gabinetes de comunicação que ficaram presos na década de 30-40 e pensam que toda a comunicação é propaganda. Aos profissionais que tentam evangelizar estas almas perdidas dou toda a minha admiração.
E o que é que eu posso dizer a alguém que quer trabalhar em estratégia de comunicação?
Por mais formação que haja nunca vai substituir a experiência e isso é ingrato. Digo ingrato porque depende da sorte de poder trabalhar marcas com uma comunicação dinâmica e ter colegas com quem se possa aprender.
É ingrato porque a formação não é toda igual e o acesso às oportunidades não depende só do mérito. E é ingrato porque é essencial trabalhar com pessoas que consigam transmitir a sensibilidade necessária para entender os vários públicos e nos ajudem a aprimorar a nossa intuição.
Em todas as redes sociais há comunidades com a sua própria cultura, os seus valores, os seus rituais. E nós como profissionais de comunicação precisamos de conseguir observar e identificar estes elementos. É preciso ter esta faceta de antropólogo para saber escolher os canais, os conteúdos, e os formatos.
A maior ingratidão é que hoje em dia o mercado de trabalho está inundado de profissionais que com poucos meses de formação se acham prontos para trabalhar qualquer contexto ou qualquer Marca. Não são más pessoas, mas foram injectados com uma dose de confiança sintética por alguém que só quer vender mais cursos.
Esta multidão gera dois tipos de ruído. O primeiro dificulta a procura de profissionais competentes, e o segundo enche a cabeça das pessoas com suposições e superstições sobre como funcionam os algoritmos e as redes sociais.
É claro que nem tudo é desgraça no mundo da comunicação em Portugal.
As universidades têm melhorado os currículos, as agências têm aprimorado o método de trabalho, e alguns clientes são mais exigentes. O que nos falta agora é ter um caminho mais directo desde a formação académica à participação no mercado de trabalho. Idealmente, com as certificações necessárias para quem vem de outras áreas poder confiar que obteve o conhecimento e competência necessária.
A foto que ilustra este artigo é a minha secretária quando estava na Fullsix. Aquele computador era a minha única ferramenta de trabalho. A tipografia, era o que estava nas paredes da agência e reflectia a conversa do open space. Passaram mais de 10 anos, mas aposto que ainda ecoam pelos corredores das agências as mesmas frases e outras parecidas.