Não era a primeira vez que ia para a escola, podia parecer mas não era. Ainda se lembrava de como tinha sido o primeiro dia de aulas de sempre. Como todos nós, que achamos tudo giro e fantástico porque estávamos com outros meninos e meninas da nossa idade.

Só depois é que deixamos de gostar tanto, mas isso é outra história.

Este ia ser um dia diferente, apesar de também ser uma primeira vez. Estava nervoso porque tudo em si era falso. Desde as roupas que não eram de marca, à identificação, a todo o passado que tinha sido fabricado cautelosamente.

Chegou à universidade e sentiu-se à deriva naquele mar de gente enquanto procurava pela sala de aula. Quando a encontrou, só queria esconder-se de tudo e todos. Directo até ao fundo da sala, escolheu um dos cantos e esperou com o caderno aberto e apontamentos que tinha imprimido.

Ela sentou-se ao lado dele, meio irritada porque lhe tinham roubado o lugar.

Durante aquelas 2h ficaram a ouvir o professor e a observar as nucas dos colegas, que se mostravam mais interessantes do que a história do Direito e o tom monocórdico que se ouvia na sala. Houve mesmo um instante de sonolência.

Ela achou-o estranho e a certa altura ficou a observar sem tentar ser discreta. A aula terminou.

— Tu não és daqui, pois não?

— Hm?

— És de onde? Estás perdido?

— Não estou perdido, sei muito bem para onde vou.

— Eu acho que estás perdido…

— Não estou, posso passar por favor?

— Estiveste duas horas a ouvir História do Direito mas tinhas contigo fotocópias de Introdução à economia. Ou estás perdido ou és doido.

— Ou os dois, as duas coisas não são mutuamente exclusivas.

— Meu Deus, és o Sheldon …

Foi-se embora e deixou-o passar.

Noutros dias aquela conversa não o tinha afectado. Só que aquele dia não era como os outros e as palavras tinham-no deixado desconfortável.

Voltou para casa eventualmente, depois dos desconfortos da hora de almoço e de interagir com outros alunos. Nada disto ia ser fácil.

— Correu bem o dia ?

— Correu, quer dizer, sei lá, acho que correu. Cheguei ao fim e não suspeitaram de nada. Acho que isso significa que correu bem.

— Nem nunca iriam desconfiar.

— Olha que … se calhar iam. Uma pessoa teve uma conversa estranha comigo. Fiz uma tolice. Passei duas horas a tirar apontamentos com o livro errado à minha frente e a rapariga que se sentou ao meu lado estranhou.

— Mas não suspeitou.

— Perguntou se eu estava perdido … enfim. Eu não me ia deixar afetar, normalmente. Mas ainda me estou a habituar a tudo isto. Se pudesse voltava para casa.

— Eu também gostava, mas não podemos. Talvez um dia. Eu sei que estamos em exílio mas nunca se sabe quando as duas nações percebem que esta guerra não leva a lado nenhum.

— Talvez um dia … é uma coisa forte de se dizer. Não viajámos duas galáxias inteiras por aquilo ser uma guerrinha pequena. Eu estou conformado. A nossa vida agora é neste planeta de criaturas iguais a nós e temos de nos habituar. Vai ser complicado, mas pelo menos é um lar.

— E é um lar porque a família está unida. Anda, o jantar está pronto.


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Bruno Amaral

Sou um Estratega Digital, dividido entre tecnologia e criatividade, a trabalhar para o Lisbon Collective e a ensinar Relações Públicas na …