Lembro-me perfeitamente da vez que corri 9 quilómetros. De estar a ouvir a mixtape “brinde” dos Orelha Negra, de sair de casa com a cabeça pesada e de pensar “Hoje não é para correr depressa, hoje é só para ver até onde consigo chegar”.

Entre passos ligeiramente mais rápidos do que a andar, cheguei ao passeio marítimo de Paço de Arcos e aumentei o ritmo devagar. Um pé, outro, respira, ouve a música e concentra-te, pensa, ou melhor, não penses, respira.

Parte do exercício de correr, especialmente àquelas horas da noite, está na tentativa de não pensar. Quando uma corrida me faz bem, não tem nada a ver com running mas tem tudo a ver com meditação e com aquele esforço constante de não pensar.

Por isso é que não compreendo quem me diz coisas como “Não vejo sentido em correr, correr para quê? Vais apanhar o autocarro?”. Normalmente esquivo-me destas conversas como se fossem conversa de ideologia política ou de bola. Não tenho interesse nenhum em tentar mudar a forma de pensar de quem está focado nesta ideia.

Não os levo a mal, tal como não levei de todo a mal quando uma blogger fez uma sátira (muito boa) sobre as pessoas que correm. A bumba na fofinha. Tem piada, e se não gostam de correr podem ficar no sofá. Mas deixem-me correr em paz sem conversas que reduzem algo que me faz bem a uma actividade sem sentido.

Naquela noite, também me lembro dos momentos chave. Aquelas alturas em que sabes que estás próximo de um limite anterior e mesmo assim continuas. Para mim isso surgiu quando estava próximo do sítio onde costumava voltar para trás e pensei, “Hoje vamos até à marina, só um bocadinho mais longe”.

E lembro-me de como o piso era diferente, de sentir os pés escorregar um bocadinho mais nas tábuas, de ter de acertar melhor o ritmo da corrida com o ritmo da música.

Respira, concentra-te, postura, foca-te no ponto mais longe, respira.

Mentia se não dissesse o quanto a minha mente vagueia nestas alturas. Pensamos em todas as coisas e em nenhumas. E o objectivo é mesmo esse, voltar ao exercício de sentir a respiração, voltar ao ponto em que o importante é o próximo passo e não o final da corrida.

“Vais fazer quantos hoje?

  • Estás a ficar fraquinho, tens de melhorar pah”

Não tens porra nenhuma. Tens de correr por ti e para ti e não pelas stats, pelos rankings ou pelo raio que os parta. Sim, força aí e partilha com os amigos nas redes sociais porque por pouco que seja é teu e mereces os louros por ter saído do sofá.

Também me lembro muito bem quando me passou pela cabeça que estava cansado. Já tinha passado quase 1h, faltavam uns 10 ou 20 minutos, não sei ao certo. Só sei que quando me senti assim já estava longe de casa, demasiado longe para parar ali e me arrastar.

“Concentra-te, respira, foca-te. Pelo menos vamos terminar no mesmo sítio onde começámos.”

Mordi o lábio e segui.

Foda-se! Quando parei senti uma tonelada a cair-me nos ombros e ao mesmo tempo foi uma das alturas em que me senti mais leve.

Arrastei os pés até casa, entrei para o duche e caí na cama. Amanhã ia ser outro dia difícil. 565 Palavras.


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Bruno Amaral

Sou um Estratega Digital, dividido entre tecnologia e criatividade, a trabalhar para o Lisbon Collective e a ensinar Relações Públicas na …