Todos os bairros têm as suas personagens mais caricatas e queridas. Que se levantam quase à mesma hora e se encontram nos cafés entre sorrisos mais alegres e outros mais tristes.

Os pontos de encontro distribuem-se por espaços e por alturas do dia. De manhã com a bica do pequeno almoço trocam-se galhardetes com as manchetes d’A Bola. Depois do almoço há toda uma luta por um lugar à sombra onde se atirem dominós à mesa.

Mas há bancos de jardim que quase têm sinais de “reservado”, invisíveis, mas que as pessoas do bairro conseguem ler.

Um desses é o banco de jardim de Santo Amaro. É o banco do Sr Apolinário. Um lugar sempre à sombra onde dá de comer aos pombos, conversa com os amigos e os desconhecidos.

Toda a gente lhe adora o sorriso constante e a alegria com que diz bom dia. Em tempo de aulas os miúdos, até os mais velhos, acabam por tirar dois minutos para se sentar com ele e conversar sobre o tempo.

O que não falta ao Sr. Apolinário são histórias para contar. Viajou por meio mundo, trabalhou em Angola, esteve na Guiné, e por toda a América Latina, diz-se que também esteve pelo Japão e por mais terras de que não se lembra do nome.

Algumas das pessoas do bairro são mais desconfiadas e dizem que mente, que embeleza a verdade. Nunca conseguem provar, mas ficam na sua teimosia e não arredam pé. Não podem é negar que o Sr. Apolinário tem uma história de vida muito rica.

Por vezes, passam-se semanas em que não se ouve falar do Sr. Apolinário e em que o banco de jardim fica ao abandono. Quando volta e lhe perguntam “então por onde andou?” Ri-se e conta que foi pilotar helicópteros para ganhar uns trocos.

Já era uma piada recorrente, especialmente quando perdia dinheiro a jogar às cartas na tasca do Manel. “Para a semana tens de ir pilotar uns quantos para podermos jogar outra vez!”

Um dia o Sr. Apolinário deixou de aparecer no banco de jardim. E as semanas foram passando para lá do habitual, de quando ia pilotar helicópteros. Até alguns dos miúdos mais velhos perguntavam por ele nos cafés do costume.

Três rendas passaram e o senhorio chamou a polícia para dar conta do desaparecimento. Foram três a casa dele, arrombaram a porta de acordo com a Lei e a imaginar que o iam encontrar caído algures. Nem sinal dele. Tinha deixado tudo para trás, excepto algumas roupas e um cofre vazio. Não parecia ter saído com pressa, mas tinha sido meticuloso.

Entre os pertences do Sr. Apolinário estavam vários albums de fotografias. Armado em frente a um helicóptero, rodeado de companheiros de camuflado e sorriso rasgado. Dentro de um baú estavam divisórias para toda a espécie de estupefacientes. Três anos depois, a investigação para descobrir o que aconteceu ao Sr. Apolinário ainda está em aberto.

Nos cafés e nos bancos de jardim ainda se conta esta história. Algumas pessoas do bairro continuam mais desconfiadas e não arredam pé da sua teimosia.

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Bruno Amaral

Sou um Estratega Digital, dividido entre tecnologia e criatividade, a trabalhar para o Lisbon Collective e a ensinar Relações Públicas na …