Odeio tabaco. Odeio o cheiro e a pose de superioridade deste gajo. E a falta de maneiras.

Pega nos amendoim com a mão cheia, enfia-os na boca como se fosse morder uma laranja. Juro que as cartas dele já devem estar cheias de gordura.

E a conversa dele, que asco. Empresário de alta sociedade, diria ele para se descrever. Burguês intelectualóide, diríamos nós. E por azares do destino aqui estou eu, a jogar às cartas com eles. Quanto é que temos em jogo? Caramba perdi as contas.

Ainda há pouco acho que estavam 500 euro na mesa, mas isso foi à quanto tempo? E porra, porque é que me meto nestas coisas? Eu não sei contar cartas e sinceramente percebo pouco deste jogo. Memorizei as sequências de cartas por ordem de importância e pouco mais.

Eu não sei jogar às cartas porra. Quanto muito consigo ler as pessoas. Sei que ele está cheio de bazófia, e tanto pode ser porque tem uma mão fantástica ou porque quer que eu desista. Sinto que ele tem a pinta de rufia, de vencer nos negócios por intimidar o adversário.

Noutras vezes, em que ele ganhou, até lhe topei alguns tiques nervosos. Brinca com o anel, passa o polegar pela ponta das unhas, muda um bocadinho a postura para ficar mais direito.

E se fosse só ele, mas sinto que todo este ambiente é hostil. Com as luzes por metade, pouca ventilação e todo um ardor nos olhos só de aqui estar. É tudo menos o meu ambiente preferido.

Há um bar atrás de nós, e de lá têm estado a sair copos de whisky e alguns cocktails mais masculinos. Vodkas, rum, talvez uma ou outra tequila. E estar aqui sem estar a beber sem parar, é mostrar fraqueza. Por isso é que em cada cigarro ele pede também mais um copo de whisky. Nada menos do que 12 anos, faz parte de toda a falta de charme que ele tem estado a ostentar.

Tirem-me daqui, porra. Mais cartas, vamos ver o que me saiu da rifa.

Por sorte conheço o bartender e estamos combinados. Eu peço sempre um gin tónico e ele serve-me sempre uma água tónica. Já basta não querer estar aqui, ter de estar aqui e a beber para ficar com os sentidos toldados era simplesmente estúpido.

Ele olhou para o relógio… Quer ir-se embora e estava a ver se tinha tempo para mais esta ronda? Para mim já é tarde, mas ele tem ar de quem ficaria aqui até o sol nascer.

Vai a jogo, deve ter um par e acha que ainda sai daqui com mais algum. Os outros estão a ficar de fora, sobramos 3. Eu vou a jogo, estão quase mil euros na mesa e o dinheiro faz-me falta.

As cartas vão saindo e ele continua com um sorriso enorme, atira as fichas como se fossem moedas para um poço.

É a minha vez. Há um par na mesa e eu tenho o 10 de copas e o 10 de paus. Falta sair uma carta e eu sinto que o coração me quer sair do peito. Raios, raios, raios.

Ele mexeu no anel outra vez, está confiante. Merda. Tudo depende desta última carta. Com o 10 de ouros levo daqui a mesa, qualquer outra e é o meu fim. Que seja. “All in.”

O homem estarreceu. Juro que lhe vi a cara ficar lívida.

Mais uma carta… SIM! 10 de Ouros! Atirou com as cartas e praguejou antes de começar a arrumar a trouxa. Fez dois pares e achava que com isso ganhava. Adoro o ar de raiva com que ele ficou. Estes burgueses, que se dizem muito modernos, não suportam ser derrotados por uma mulher. 626 palavras.


avatar Bruno Amaral
Bruno Amaral

Sou um Estratega Digital, dividido entre tecnologia e criatividade, a trabalhar para o Lisbon Collective e a ensinar Relações Públicas na …