Estava sentado sozinho na mesa de um café ao computador. A ouvir música pelos auriculares, baixo o suficiente para ouvir o que o rodeava.

Numa das mesas estava um grupo peculiar, 2 homens e uma mulher. Um deles, o alvo, tinha claramente sido convidado a estar ali, para uma oportunidade que não podia perder. O que era curioso nele era que tinha um ar profundamente deslocado para aquela conversa.

Estavam todos vestidos de forma casual mas ele tinha claramente tido alguns cuidados extra. Os interlocutores com a oportunidade fantástica e imperdível tinham trajes mais descontraídos enquanto ele tanto podia estar ali como a representar uma empresa frente ao tribunal.

Mas essa nem era a diferença principal entre os dois. Entre as notas dos auriculares conseguia-se perceber que o casal estava com um discurso mais trabalhado. O interlocutor com uma conversa mais simples e terra a terra estava claramente a colocar a confiança nas pessoas erradas.

“Quanto mais gastar, melhor! Porque ganha pontos que depois …” O gatilho foi este. Baixou a música e começou a ouvir com mais atenção o desenrolar da conversa.

A desvantagem numérica já era uma desvantagem nesta “oportunidade única”. O homem do casal guiava a conversa e ela prontamente ia acrescentando argumentos e exemplos de sucessos. O cerco ficou completo quando chegou o sócio. Aprumado, deselegantemente atrasado, e a ostentar um relógio dourado.

Tudo aquilo se tornou excessivamente estranho. E surgiu toda uma vontade de fechar o computador para se sentar e dizer calmamente: “mas que grande patranha que vocês estão a armar!”

Mas era tarde, todo aquele circo já estava montado e o alvo cada vez mais convencido a assinar um contrato que provavelmente incluía um dízimo do salário por dez anos e a alma do seu primogénito. Que nojo.

Há poucas coisas que incomodam mais do que um crime protegido pela lei dos tribunais. “Assinou o contrato, já não podemos fazer nada.” Este era só o começo desse caminho para o inferno e não se saia de lá sem pagar uma portagem pesada.

O Sócio já tinha os documentos à mão. Triplicado, uma cópia para mim, outra para si e esta vai para a sede. Assinaram e houve uma sessão de festejo com novos apertos de mão para selar o contrato, desejos de sucesso e lembretes para trazer mais pessoas para a comunidade. Despediram-se com um abraço, como se fossem dos melhores amigos em toda a vida.

Estava feito.

Continuou ali sentado ao computador a ver as cenas que se desenrolavam. Pediu duas cervejas e recebeu em troca um olhar confuso. As cervejas chegaram em poucos minutos, bebeu de um dos copos e tirou os auriculares. Já não era preciso disfarçar.

Passado um pouco chegou o Alvo, sentou-se ao lado dele com um sorriso e uma afirmação óbvia — “Está feito!”

— Conseguiste tudo? — Assinaturas, cópias da documentação, roubei-lhe a carteira sem ele topar. Chama-lhe um bónus. Achei que os documentos podiam ser um prémio de bónus. — Só preciso de os fotografar, depois deixamos aqui no bar para que não percebam o que se passou.

É complicado saber que a familia foi burlada, e que os culpados estão protegidos por contratos, juízes e advogados de toda a espécie. Contratar um actor para burlar os burlões transforma-se num preço pequeno quando o objectivo é trazer um bocadinho de justiça ao mundo. 561 palavras.


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