Cheguei à conclusão de que já não te amo. A nossa relação começou bem. Podemos sequer chamar-lhe uma relação? Não foi um mero acordo de negócios?

Prometeste um mundo livre de pirataria, eu vi The Playlist. O tipo de lugar onde a arte é acarinhada e onde os artistas sabem que os aprecio sempre que carrego no play. Por isso, acolhi-te, tornei-te parte da minha vida e dei-te o que pediste.

Depois começaste a pedir mais. De repente, estava a pagar mais pela promessa de novas e excitantes funcionalidades. (Algumas das quais eu não usava nem gostava).

“Não faz mal”, pensei que não seria um grande incómodo para a paz de espírito de ter toda a música do mundo à minha disposição. “É justo e eu sei que apoias os artistas”.

Minha querida, comecei a prestar mais atenção quando o nosso amigo Al Yankovic veio dizer-me o que estavas a fazer. Eu sei que ele é um pouco estranho, mas não achas que é mais estranho pagar 12 dólares a um artista por 80 milhões de streams? E há mais, não quero entrar em pormenores.

Depois comecei a aperceber-me do estado de hipnose em que me deixava. O meu dia começava de forma simples. Sentava-me em frente ao portátil, com os auscultadores postos, carregava no play, deixava o algoritmo fluir. E era só isso, tocar, saltar, fazer uma pausa para uma videochamada, tocar e saltar. Não se prestava atenção ao novo artista, nem se recordava de que álbum era aquela canção. “Aqui estão os vossos melhores artistas. Escolhe algumas das tuas vibrações relaxantes favoritas. Queres um acid jazz relaxante para o jantar?”

Deixaste-me hipnotizado, mas eu acordei!

Mas tenho de dizer a verdade. Eu estava a enganar-te este tempo todo.

Continuei a ter um caso com a minha coleção de música, a Ex. Sim, os CDs. E também andei com alguns MP3 que tinha conhecido no Apple Music há vários anos. Não, não foi traição. Foi um amor antigo reacendido.

Um amor que não julgavam o meu gosto musical no final de cada ano. E as músicas não desapareciam misteriosamente para nunca mais serem ouvidas. Elas mereciam o meu amor e carinho.

Descobri que havia formas de voltar a pôr em ordem a minha coleção de música. O Music Brainz é uma aplicação que analisa ficheiros de áudio e garante que são corretamente nomeados e etiquetados utilizando a maior base de dados pública do mundo. Com isso e a minha conta premium de Plex, posso ter essa coleção de música em stream.

“Tu vais voltar para mim a rastejar”

Não, meu amor. Admito que é muito mais difícil comprar músicas online, os artistas passaram para as plataformas de streaming e perderam o contacto com a sua base de fãs. Alguns até voltaram a vender discos de vinil em vez de ficheiros áudio. Jack White fê-lo de uma forma muito inovadora.

No seu sítio Web, os Linkin Park estão a vender o seu próximo álbum “From Zero” sem opção para formatos digitais.

E lembram-se dos Wu-Tang Clan? Eles têm um álbum chamado “Once upon a time in Shaolin”, do qual só existe uma cópia em vinil. Martin Shkreli1 comprou-o por $2 milhões em 2015 e mais tarde foi vendido por $4,75 milhões. A situação complicou-se quando Martin foi levado a julgamento por ter feito cópias e transmitido o álbum em streaming.

Agora, sempre que me deparo com uma canção que me agrada, dedico alguns segundos a ver se o artista tem um sítio Web e se posso comprá-la online. Na maioria das vezes, são-me mostradas hiperligações para tocar em qualquer plataforma de streaming.

Por isso, não é de admirar que a pirataria ainda esteja bem viva. Quem tiver conhecimentos técnicos suficientes pode descobrir formas de configurar servidores domésticos que encontram e descarregam música, filmes e programas de televisão. Uma pesquisa na Web por home lab ou servarr leva-nos a toda uma comunidade que vai até ao ponto de ter os seus próprios servidores de e-mail em casa, porque é mais privado do que o Gmail.

Nunca mais vou ter todas as músicas do mundo na ponta dos meus dedos. Posso viver com isso porque fiz uma viagem de nostálgia pela coleção de música e comecei a prestar mais atenção ao que ouço. E sempre que encontro uma música de que gosto, guardo-a numa nota no meu telemóvel.

Spotify, se estou indeciso sobre o que ouvir e o Plexamp não me pode ajudar, escolho um artista em vez dos teus Moods. Deixei de meter as músicas em shuffle e agora deixo o álbum seguir a sua viagem. Quando não estavas por cá, alguns artistas tinham um conceito para cada álbum. E tu nunca me levaste numa dessas viagens.

“Não acredito que acabou”

Vais encontrar outra pessoa. Tens milhões de amantes assinantes por isso não mintas a dizer que sou especial.

No entanto, os artistas são os que acabam abandonados. No triângulo da plataforma de streaming, artistas, e fans, não sei que tipo de relação é melhor para todos. Mas esta monogamia não estava a funcionar para nós, Spotify.

Quero ver outras pessoas, experimentar a alegria de descobrir uma nova banda e a maravilha de encontrar música que não foi composta para o teu algoritmo banalizador.

E fico mais feliz por apoiar diretamente os artistas de que gosto do que por descobrir que deste ao Weird Al o equivalente a uma boa sandes na Casa Guedes por todo o trabalho durante o ano.

Mas vou amar-te para sempre.

Adeus, Spotify.


  1. Martin é conhecido por crimes financeiros e por ter aumentado o preço de um medicamento que salva vidas de $13,50 para $750 por comprimido. https://en.wikipedia.org/wiki/Martin_Shkreli ↩︎


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Bruno Amaral

Sou um Estratega Digital, dividido entre tecnologia e criatividade, a trabalhar para o Lisbon Collective e a ensinar Relações Públicas na …