Chave no cadeado, click, desencaixa, tranca e guarda. Um passo no pedal esquerdo, um pé no direito e o mundo começa a andar mais depressa.

A deslizar pelas ruas e a serpentear no meio dos carros, a primeira paragem chega num instante, entrar, procurar e pagar. O sol já se pôs e faltam paragens. Agora é sempre a subir. A bicicleta não ficou presa e felizmente ninguém lhe achou piada.

Subir é mais complicado e a mochila está mais pesada. Com determinação e a respiração mais ofegante, um passo de cada vez, respira, costas direitas.

Mais uma paragem. “Tu ficas aqui, eu já volto.” Procurar, perguntar, escolher, pagar, “Muito obrigado!”. A terceira paragem é mais à frente, sempre a subir, sempre a subir. rápido que o relógio não espera e o suor já escorre.

Continua, força, aqui estamos mas não há. “Procure ali mais à frente, tem de certeza!” A mochila pesa e pesa bastante.

“Aqui tem, 1€”. “Muito obrigado, até à próxima!” Vamos para casa e agora já não há subidas. É a direito e é plano. Chave no cadeado, click, desencaixa, tranca.

Respira fundo.

é só um jantar”, e a pressão começa a desvanecer. Os ingredientes já estão todos, há tempo para preparar enquanto a campaínha não tocar. “Está avariada, quando chegarem telefonem.”

Há todo um exercício mental para garantir que uma refeição acontece na ordem certa e que ninguém tem de esperar pelo prato seguinte. Há mise en place quando há espaço, há desenrasca quando não há.

Isto tudo faz parte da forma que temos de mostrar às pessoas que gostamos delas. Usamos o nosso tempo como oferta e gratidão por poder passar algum tempo com elas. A Ana uma vez disse “esta comida foi feita sem amor” quando provou um prato num restaurante da moda. E eu acreditei, ela foi cozinheira e tudo lhe sai lindamente.

“Estou à porta, desculpa cheguei mais cedo!” Ainda bem que chegaste e não é preciso ter desculpas numa frase que nos faz sorrir.

Não está tudo preparado mas está tudo pronto. As pessoas chegam e a mesa fica composta. Entre o vinho tinto e branco, há cafés e os cocktails, há conversa e partilha de ânsias. “Como é”, “Porque é que somos assim”?

A energia é boa e flui com uma calma que já não sentia há muito tempo. Tudo oposto e tão melhor do que a pressa de pedalar colina acima. E são estas coisas que fazem valer a pena investir o tempo e oferecê-lo com algo diferente. É esta forma de partilhar e de conversar que nos faz respirar melhor.

Acabou o vinho, ficam as memórias.

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Bruno Amaral

Sou um Estratega Digital, dividido entre tecnologia e criatividade, a trabalhar para o Lisbon Collective e a ensinar Relações Públicas na …