Estive a ler um artigo de opinião do Duarte Marques, e encontrei algumas coisas que me causaram incómodo. Por exemplo, faltam algumas fontes e há conclusões que estão a ser tiradas sem colocar outras perguntas que são importantes.

Achei importante comentar, mantendo o texto e as imagens originais.

Também é importante que cada um possa exprimir a sua opinião. Só que quando se tem acesso a uma plataforma de difusão com a força do site expresso.sapo.pt, existe uma responsabilidade muito grande que tem de ser respeitada.

Artigo Original: https://expresso.sapo.pt/blogues/blogue_sem_cerimonia/2018-12-18-Dados-da-FCT-desmascaram-narrativa-do-Governo-sobre-Ciencia#gs.WtOL7hk

Link para o relatório original:

Não fui a única pessoa a questionar a validade das afirmações, no Reddit um utilizador fez o mesmo exercício: https://old.reddit.com/r/portugal/comments/a7axpr/dados_da_fct_desmascaram_narrativa_do_governo/ec2xq2q/

Após ler este artigo, o Duarte achou por bem responder no twitter

https://twitter.com/DuarteMarques/status/1081315597483417600?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1081315597483417600%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_c10&ref_url=https%3A%2F%2Fbrunoamaral.eu%2Fpt%2Fpost%2Ffct-importancia-das-fontes-duarte-marques%2F

Segue-se o artigo na integra, com notas de rodapé para os meus comentários.


Dados da FCT desmascaram narrativa do Governo sobre Ciência

Os dados agora divulgados pela FCT 1 revelam que afinal o Governo de António Costa executou menos verbas e investimento no sector da ciência do que Passos Coelho e Nuno Crato com o país sob resgate. 2017 foi o ano de menor investimento em Ciência dos últimos 10 anos.2

Quando o atual Governo tomou posse, a esperança de muitos investigadores era que viria aí uma grande oportunidade para o sector. Tinham passado quatro anos de algumas dificuldades onde, apesar de toda a austeridade, o Governo PSD/CDS procurou poupar o sector da investigação e da ciência aos cortes que chegaram em praticamente todos os sectores da governação.

Os dados revelados recentemente pela Fundação para a Ciência e Tecnologia vieram confirmar o que o PSD andava a dizer há pelo menos três anos: ao contrário da propaganda e do discurso instalado, o investimento em ciência com este Governo é cada vez menor. Os números demonstram que a orçamentos cada vez maiores, correspondem execuções cada vez menores.

Como verificamos no quadro abaixo (fonte FCT), 2017 foi o ano de menor investimento em Ciência dos últimos 10 anos. Em todos os anos da responsabilidade do atual Governo PS, com o apoio do BE e do PCP, o valor executado na área da ciência tem vindo a cair. Estes números contrariam toda a retórica do Governo, de António Costa e de Manuel Heitor. 3

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FCT

O número de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento também cai, apesar da conversa do Governo, verificamos que também reduzem em 2016 e 2017 e o concurso de 2018 continua a aguardar por resultados. 4

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FCT

Se olharmos então para o financiamento de projetos de I&D (em baixo), na minha opinião talvez o mais importante, constatamos que, apesar de toda a conversa da geringonça, a queda de 2014 para 2017 é vertiginosa pois passámos de 3698 projetos apoiados para míseros 731 em 2017. 5

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FCT

Estes dados provam que vivemos hoje um período em que a validade e importância dos orçamentos aprovados pela Assembleia da República deve ser colocada em causa. 6 De nada nos serve comparar orçamentos para avaliar se um Governo investe mais ou menos numa área. Importante e decisivo é comparar com os valores executados. 7 Na atual solução governativa os orçamentos não passam de propaganda. Se este Governo e o seu Ministro das Finanças fossem politicamente honestos, fariam uma de duas coisas: executavam o que está no OE respetivo ou então aprovavam orçamentos retificativos. Não fazem nem uma coisa nem a outra.

Se não é honesto comparar as condições do país em 2011 com as que este Governo recebeu em 2015, também seria injusto comparar o que ambos conseguiram. Era suposto, e muito fácil, o Governo de António Costa ter números de execução de investimento na ciência muito superiores aos de Passos Coelho e Nuno Crato. Era normal e esperado. Mas não, mesmo sem troika e sem um memorando para cumprir, o Governo das esquerdas consegue ter muito menos investimento executado na área da ciência. Isto é inaceitável, compromete o futuro do sistema científico e tecnológico nacional. Se Manuel Heitor assinou um livro negro da ciência durante a vigência do acordo com a Troika, agora e em coerência, devia assinar dois.

Para não esquecermos, importa lembrar que são posições de partida completamente diferentes: receber um país na pré-bancarrota, com um memorando de entendimento, em recessão e com um défice de 11% ou receber um país sem Troika, com um défice de 3% e um crescimento de 1,6% que António Costa e Manuel Heitor receberam em 2015. 8

É justo que se diga que entre 2011 e 2015, apesar de tudo, foi possível aumentar progressivamente a execução e o número de projetos apoiados logo em 2012 e 2013, fizeram-se avaliações duras e rigorosas ao sector, investiu-se na capacidade de atração de investimento externo e Portugal subiu vários degraus na angariação de fundos europeus centralizados. 9 Foi também aí que se criou o programa Investigador FCT que permitiu fazer regressar ao país alguns dos nossos melhores investigadores bem como alguns estrangeiros de enorme qualidade e dar melhores condições aos que já cá estavam. Até agora, este programa de aposta na elite que alavanca investimento para todos os outros investigadores, não teve continuidade, o Concurso de Estímulo ao Emprego Científico é curto e centenas de investigadores de topo têm o futuro suspenso por Manuel Heitor e António Costa.

Importa recordar que foi também durante esse período (2011-2015) que pela primeira vez Portugal passou, em matéria de fundos comunitários ligados à Ciência, a receber mais do que a transferir para o orçamento europeu. Com o desinvestimento atual não há dúvidas sobre o possível retrocesso nessa matéria. Em breve, estaremos de novo a pagar para outros países fazerem ciência.

Termino com mais dois lamentos:

  1. que o tecido científico tenha sido até há bem pouco tempo muito mais tolerante com um governo de esquerda que os tem enganado ao longo dos últimos três anos. Muitos ficaram demasiado tempo calados e em silêncio quando em momentos de crise e de bancarrota nunca hesitaram em assinar manifestos e livros negros contra as políticas no sector. 10

  2. que na ciência, como em tantos outros sectores, este Governo não tenha aproveitado as condições herdadas e as oportunidades que a Europa hoje nos oferece para fazer crescer mais a área do conhecimento e da investigação. Não se fizeram reformas, não se aumentou a transferência de conhecimento e a sua valorização. Tudo não passou de conversa fiada. 11

Aproveito para desejar a todos um Feliz Natal 12


  1. Seria importante ter aqui um link para o documento original da FCT. Fui procurar e encontrei este link: https://www.fct.pt/estatisticas/ResumoEstatisticasVisaoGlobal.pdf. Tem o mesmo gráfico que o Duarte apresenta no artigo e o documento afirma que as verbas da FCT têm várias fontes e que o gráfico mostra o que foi investido pela FCT. O investimento não é o do Governo↩︎

  2. É bem possível que esta afirmação seja verdade, mas não existe prova para averiguar os factos. ↩︎

  3. O Duarte está a recuperar o documento inicial e a reforçar a conclusão a que chegou. O gráfico que ele apresenta é o investimento global da FCT. O relatório da FCT tinha um gráfico que mostrava esta informação dividida por fonte de rendimento. Nesse gráfico, mostra-se que os anos de 2007, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2016 tiveram transferências do OE mais baixas do que o ano de 2017. ↩︎

  4. É muito provável que sim, novamente seria importante apoiar esta afirmação na apresentação de fontes de informação em vez de deixar esse trabalho para o leitor. ↩︎

  5. De facto o número de projectos com transferências baixou, o gráfico é claro. O que falta, é questionar a razão para essa queda. Foi só a falta de fundos? Existe falta de candidaturas que cumpram os requisitos de qualidade da FCT? ↩︎

  6. Não. Estes dados provam que está a haver menos investimento mas não estão a dar informação sobre quais são as causas. Seria importante contrapor isto com o OE de estado para 2017 para confirmar ou desmentir as afirmações do Duarte. ↩︎

  7. É muito fácil discordar com este ponto. O Orçamento de Estado reflecte a prioridade de investimento que cada área da sociedade tem para o ano seguinte. E o artigo está a dizer que o relatório da FCT desmascara a narrativa do Governo. Se essa narrativa não se reflecte no OE, também não vai estar reflectida nos valores executados. E se há uma disparidade entre o OE e os valores executados, seria importante investigar a razão para isso acontecer. ↩︎

  8. Totalmente de acordo, é preciso dar contexto aos números e aos programas eleitorais. ↩︎

  9. Novamente, para tornar este ponto mais forte, era importante que o Duarte tivesse apresentado um link ou uma fonte de informação que permitisse confirmar estas afirmações. Eu não tenho noção de qual é o panorama científico que ele descreve, tenho esperança que seja verdade e que de facto tenha havido retorno de investigadores de topo, e que esse retorno seja duradouro. ↩︎

  10. Arrisco dizer que sempre notei o tecido científico a queixar-se da falta de financiamento. Não tenho partido e não noto que esse descontentamento esteja relacionado com quem está no poder. Posso até arriscar mais e apontar para a queda de investimento da FCT nos últimos três anos e questionar o Duarte se ele não estará mais alerta para estas questões quando estamos próximos das eleições. ↩︎

  11. Seria importante saber a que oportunidades se refere o Duarte. E se por um lado os argumentos que ele apresenta são indícios de que há menos verbas e menos projectos apoiados pela FCT, por outro também colocam várias questões que precisam de resposta. Seria bom apresentar as fontes para que cada pessoa pudesse decidir por si. ↩︎

  12. Good Night, and Good Luck. https://www.imdb.com/title/tt0433383/ ↩︎


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Bruno Amaral

Sou um Estratega Digital, dividido entre tecnologia e criatividade, a trabalhar para o Lisbon Collective e a ensinar Relações Públicas na …