Temos um problema. Eu, tu, e toda a humanidade. Senta aí, toma um espresso. Vamos conversar sobre estarmos a ver arder a biblioteca de Alexandria todos os dias, sem ninguém ter a decência de pousar o bagaço e chamar os bombeiros.

Andamos por aí no Facebook desta vida, a navegar por stories de Instagram para ver quem nos grama, a celebrar vitórias vazias no LinkedIn.

É nestes cafés digitais, onde os donos são milionários e nós somos precários, que temos as nossas conversas, mantemos as ligações com mais ou menos significado. A Matilde anuncia a gravidez, o João filmou o jantar, a Andreia terminou de se licenciar. O senhor Ricardo está a contratar, outra vez.

Tudo bem se fosse só um café de conversas efémeras onde ficamos contentes por nos ver. Mas é nessas mesas que estamos a rabiscar o diário da nossa vida. E quando o patrão chega para fechar o tasco, pega no caderno, sorri e diz “eu vou guardar, amanhã está aqui!”. E amanhã voltamos.

“Então, mas é normal. O tasco não vai fechar amanhã, o café é de graça. E já viste a miúda gira que vai lá sempre? Vou sempre à mesa dela dizer olá, dar um oi com charme. Estão todos ali a rondar, mas ela sabe que eu sou diferente.

É preciso saber estar no café, ter boa conversa, escrever bem no caderno que lá fica. Eu ando a dar cursos sobre Cortesia e Protocolo do Café. Já tive imensas inscrições! Vem toda a gente à minha mesa dizer olá, dar um oi e comentar.

Opah, que o tasco nunca feche! Que a minha vida assim é boa.”

Mas e se fecha? E se o tasco arde e fica o teu caderno perdido para sempre? Ninguém sabe onde moras, só te encontram lá. Acordas amanhã sem ter para onde ir, com esse negócio de Cortesia e Protocolo a morrer-te no colo.

E o resto? Os outros tascos e tabernas onde anotas momentos e e fragmentos da tua vida? Quem é que vai ler a tua história quando esses fecharem?

“Lá estás tu a exagerar. Não vão fechar e é lá que gosto de contar as minhas histórias, partilhar as minhas reflexões. Melhor, as minhas iluminações! Sabias que o patrão está sempre a dizer-me que a minha opinião sobre especialidades específicas é muito importante? E pede-me para partilhar no livro dele ! Faz-me umas perguntas e eu vou lá responder para toda a gente benficiar da minha experiência.

É lá que está toda a gente, é lá que está tudo.”

Se está lá tudo, por que é que ainda não encontraste o que procuras?

Mas tens razão, está lá tudo! Está lá tudo o que não devia estar. Pedaços de ti, os teus livros, os teus filmes, aquela série que adoras e estás a rever. Até as tuas músicas! Pelo menos, quem compra discos de vinyl sabe onde estão, sabe quem os artistas são, e sabe ouvi-los com atenção e coração.

Mas nós continuamos a guardar lá tudo. Cada vez é mais fácil guardar a vida nesses tascos do que em nossa casa.

E os jornais? Toda a gente refila mas ninguém quer pagar.

A cada 140 caracteres, com cada click em post e upload, estás a dar o ouro ao bandido. Esses patifes milionários não querem saber de ti para nada!

“Estás muito isaltado e nem vivemos em Oeiras. Tem lá calma e responde-me a isto. Se ir ao tasco é essa droga toda, qual é a solução? Fico em casa a tirar bicas da Nespresso?”

E se te disser que ser extremista não resolve nada? Porque é que não abres o teu café? Um sítio onde a bica é boa e ninguém te fica com as notas do caderno, nem mete notas ao bolso com o teu trabalho.

De vez em quando podes ir ao tasco, piscar o olho à miúda que nem sabe que existes, dar um olá e dizer um oi. Depois dizes “Abri um café ali na praça!”. Vais ver que a gente que é de boa traça vai ouvir e passar para dar um ar de sua graça.

Pode não ser um café como esses dos patrões milionários, mas será teu e no final do dia levas o caderno para casa, ofereces aos teus filhos, e eles que o leiam aos netos.

Ou então, deixa estar o livro da tua vida a arder ou as páginas a ser gamadas. Quando fechar o tasco, nem sobra para insectos. Ninguém se vai lembrar que ficou toda uma biblioteca por ler.