Resumo

Toda a gente tem direito a escrever e a debater aquilo que quiser, dentro dos limites dos direitos humanos.

Plataformas editoriais, como a Medium, trabalham com o objetivo de organizar e sugerir-nos conteúdo. Querem mostrar-nos algo que gostamos para que passemos mais tempo a utilizar o site. Isto também se aplica ao Facebook, Instagram, LinkedIn, entre outros.

O problema é que o algoritmo de recomendação não tem em consideração a autoridade de uma pessoa sobre um determinado assunto. Neste contexto, a autoridade de alguém é uma escala que inclui conhecimento e experiência sobre uma determinada matéria.

Não estou a dizer que alguém com pouca autoridade sobre um assunto não deva escrever sobre ele. Estou a sugerir que uma plataforma precisa de conhecer a autoridade de um autor e a qualidade do conteúdo escrito antes de o recomendar a outros utilizadores.

Sugiro também que o utilizador tenha possibilidade de auditar o motivo pelo qual algo lhe foi recomendado pela plataforma.

No fim, há uma descrição do conceito de “juiz cego”, uma possível solução para o estado atual das redes sociais.

Este artigo não aborda a responsabilidade das plataformas de publicação no que diz respeito a alojar conteúdos falsos ou de alguma forma tóxicos. Esse é um tema totalmente diferente.

Posto isto, gostava de saber o que os leitores têm a dizer.

Autoria e autoridade

O algoritmo da @Medium mostrou-me um artigo de alguém com 20k followers. Esta conta foi criada em setembro!

Ou esta pessoa é um escritor notável, que chegou aos 20k followers num piscar de olhos, ou há outra razão. Achei que fosse alguém com um grupo considerável de seguidores fora da @Medium, e por isso passei algum tempo à procura de mais pormenores.

Não encontrei coisa alguma. O perfil do autor está conectado a uma página de Instagram e a um website em construção.

O site afirma que a pessoa escreve para uma publicação renomada, algo que confirmei. O que não encontrei foi uma prova de que o autor tenha um passado relacionado com o tema em questão, académico ou não. Também não sei que variáveis foram usadas pela @Medium para me sugerir o artigo. Foi a quantidade de aplausos que teve da minha rede?

Uma pequena nota, isto pode acontecer com a @Medium, o @Facebook ou qualquer outra plataforma onde conteúdo extenso possa ser publicado.

E também é possível que este autor em particular tenha autoridade para debater e transmitir conselhos sobre o assunto. O problema é a falta de provas.

Deem-me um sinal de honestidade!

Andei à procura de sinais que de alguma forma servissem de reconhecimento. O número de followers era considerável. O perfil referia uma parceria com uma publicação importante, à qual eu atribuo qualidade.

Isto é o que Seth Godin consideraria Sinais, tendo em conta o referido num episódio do seu podcast Akimbo. De forma breve, procuramos sinais que nos ajudem a decidir. Um desses sinais pode ser o número de followers que alguém tem nas redes sociais. A atenção que recebem poderá ser um indicador de que a sua informação é valiosa. Esse volume de followers pode ser o resultado do trabalho que fazem num outro contexto, num outro meio. 1

Ter um grande número de followers não é um sinal de honestidade. Já vimos que fake news e algumas pessoas tóxicas têm um grande número de seguidores. Existem várias formas de comprar followers falsos ou também é possível investir dinheiro numa boa campanha publicitária online.

Os sinais falsos do Instagram

Não é novidade que as pessoas compram seguidores, seja no Instagram, no Twitter ou nos canais do YouTube. É uma maneira de ter um sinal falso.

Outro caminho está na forma como o conteúdo é escolhido para ser colocado na timeline. Quando vemos o feed de algumas pessoas no Instagram, ficamos com a ideia de elas vivem num mundo de felicidade constante, onde tudo segue o seu caminho e a vida é uma vasta praia deserta ou uma fuga tranquila num hotel luxuoso.

À primeira vista, podemos dizer que isto não tem qualquer mal. Numa segunda análise, temos de considerar o que esta realidade distorcida e veiculada nos está a fazer enquanto sociedade. Todos querem a sua fama de nicho e um trabalho fantástico. Aqueles que, por qualquer motivo, enfrentam momentos negativos, são atingidos por esta ideia de que a vida de todas as outras pessoas é fantástica e a deles não.

Vários estudos foram publicados, cujo objetivo passou por analisar a relação entre a utilização das Redes Sociais online e os sentimentos depressivos. Um estudo descobriu que o Facebook pode afetar as sensações de bem-estar. 2

Mas há também provas em contrário. 3

Conclusões: Não encontrámos provas que sustentem uma relação entre a utilização de Redes Sociais e a depressão clínica. Aconselhar pacientes ou pais sobre o risco da "Depressão Facebook" pode ser prematuro.

Lauren A. Jelenchick, M.P.H.a,b, Jens C. Eickhoff, Ph.D.c, e Megan A. Moreno, M.D., M.S.Ed., M.P.H.a "Depressão no Facebook? Utilização e Depressão em Redes Sociais em Jovens Adultos

É possível que a fase da vida em que nos encontramos nos torne mais ou menos suscetíveis a esta influência. Algumas pessoas podem ser mais vulneráveis do que outras à influência das Redes Sociais.

Uma coisa é certa, os followers e likes são utilizados pelos algoritmos para determinar o que nos é mostrado e tendemos a enviesar esse conteúdo para termos boa imagem.

O conteúdo e a mensagem que vemos não determinará a nossa opinião, mas determinará aquilo em que pensamos. É a teoria da comunicação conhecida como agenda-setting. 4

A lógica por detrás disto é a de que ser visto como alguém que trabalha com marcas irá dar a essa pessoa um contrato como influencer. Quanto maior for o falso conteúdo patrocinado, maior é o esforço para transmitir a ideia de que possui de facto o patrocínio da marca.

Seja qual for o caso, é seguro aferir que estes sinais são bastante frágeis. Até o engagement pode ser falseado através de anúncios, contas falsas ou pedindo simplesmente a amigos e followers.

Historial e reputação

Verificar o historial, a experiência e a reputação de uma pessoa é um sinal mais seguro. Não precisamos de ter o percurso académico completo ou um perfil LinkedIn detalhado. O sinal pode ser algo mais simples, como “isto foi o que aprendi a trabalhar seis meses como voluntário nesta organização”. Só não pode ser algo do estilo “sou incrível e escrevi isto! Olha para todos os meus followers que comprei na internet!”.

Os leitores precisam de ter informação suficiente para decidir sobre a seguinte questão: “Esta pessoa é uma fonte fiável sobre o assunto?”. Mesmo que a resposta seja “não”, podem ler e ter uma opinião informada.

Como podemos medir isto? Não é uma métrica que os computadores consigam calcular, pois na própria sociedade encontramos muitos casos onde autoridade de uma pessoa sobre um assunto não é consensual. Confiar na comunidade para nos dar esta informação também é uma opção frágil, pois pode conduzir-nos aos problemas já referidos.

Em vez de mergulharmos neste problema e pensarmos na solução, perguntemos:

Quem deve ter o ónus da prova, a plataforma ou o autor?

O meu instinto diz-me que, se o autor está a publicar algo que podemos ler, então é o autor que tem de apresentar provas da sua autoridade.

Se a plataforma está a sugerir o conteúdo, o qual poderá influenciar o nosso comportamento, então o ónus da prova recai sobre ela.

Uma plataforma pode apresentar provas sem revelar todo o seu algoritmo. Mostrá-lo integralmente seria desistir da sua vantagem competitiva no que diz respeito a fazer boas recomendações. Em vez disso, pode divulgar as principais variáveis que influenciam a sugestão e o grau de autoridade do autor sobre o assunto. Esta posição poderá advir da informação no perfil ou de detalhes apresentados noutros sites que estão linkados a esse artigo. 5

Criar espaço para os recém-chegados

Este argumento da Autoridade tem um senão. Pode ser uma barreira para pessoas que têm poucas provas da sua autoridade. Nalguns raros casos, pessoas com um baixo nível de Autoridade sobre um assunto podem ter algo valioso para partilhar. Podem ter encontrado uma visão detalhada que escapou até às mentes mais brilhantes nessa área.

As ideias que descrevi neste artigo podem ser um obstáculo para estes recém-chegados. Por que razão deveriam publicar alguma coisa quando têm poucas provas da sua autoridade?

E nós também saímos a perder, pois as novas ideias provêm de discussões saudáveis e as pessoas precisam de se sentir confortáveis com o erro para que o debate aconteça.

Os adultos não se sentem confortáveis com o erro ou falhanço. 6

Uma terceira opção, o juiz cego

Na maioria das plataformas, o problema é que elas recomendam conteúdo segundo o volume e não de acordo com a experiência. Mensuram a forma como a nossa rede interage com os posts e recomendam conteúdos com base nisso. O voto de todos é igual. Embora isto seja democraticamente positivo, implica que todos tenham o mesmo domínio sobre cada assunto. Contudo, para artigos detalhados sobre um único tema, isto não é verdade.

Devemos esforçar-nos para escolher quem são os elementos-chave numa rede, ou seja, pessoas que são consistentes em apresentar boas recomendações para campos de estudo específicos. Um pouco como o que acontece no mundo académico.

Esta ideia é ainda rudimentar e imperfeita, especialmente em relação à sua implementação e eficácia.

O seu argumento inicial é que, quando uma pessoa sabe que a sua opinião ou julgamento é a base das recomendações, o peso da responsabilidade já representa um viés. A resposta fácil é escolher as pessoas como juízes, sem que elas saibam que têm esse papel.

Os juízes podem ser escolhidos por rede e por assunto. Assim, nem todos terão os mesmos juízes cegos.

Segundo esta ideia, a plataforma:

  1. Desenvolve um algoritmo que determina um grupo de juízes. Isto pode ter por base vários critérios, como o assunto, quão próximo ou distante o juiz está da rede do utilizador, e o nível de ligação entre a plataforma e o juiz.
  2. A reputação do juiz é medida pelo sucesso e fracasso dos artigos que considera merecerem atenção.
  3. As recomendações são feitas com base nos sinais dados por vários juízes, nunca apenas por um.
  4. A recomendação é feita com base na partilha do conteúdo.
  5. A recomendação apenas é contabilizada se a pessoa ler de facto o conteúdo.
  6. Os autores que apresentam bom conteúdo de forma consistente recebem uma reputação mensurável que ajuda a equilibrar o ranking dos juízes cegos. Esta aferição da reputação deve ter valores distintos para diferentes temas e áreas de estudo.

Nada substitui o pensamento crítico

Qualquer que seja a solução apresentada para corrigir o nosso sistema de autoridade defeituoso, nunca substituirá a necessidade do pensamento crítico. Hoje, mais do que nunca, precisamos de filosofia, precisamos de colocar perguntas e de não nos contentarmos com respostas rápidas.

As plataformas também podem nutrir esse pensamento crítico. Por exemplo, podem permitir-nos alternar entre uma lista filtrada e uma não filtrada de recomendações, o que nos faria questionar e explorar mais.

No meu quotidiano, faço um esforço para aplicar alguns destes princípios. Quando um amigo partilha algo que aprendeu, pergunto porquê e como. Se não concordar com uma afirmação, peço argumentos em vez de simplesmente bloquear.

Isto não quer dizer que eu seja melhor ou pior do que ninguém. Contudo, precisamos de assumir responsabilidades e fazer com que o pensamento crítico seja parte do nosso dia.

Também somos culpados pelo atual estado das redes sociais.

Referências

Unsplash Logohttps://brunoamaral.eu/post/the importance

  1. Akimbo - Episódio sobre Sinais de Honestidade ↩︎

  2. https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0069841 ↩︎

  3. https://www.csus.edu/faculty/m/fred.molitor/docs/social%20networking%20and%20depression.pdf ↩︎

  4. McCombs, M; Reynolds, A (2002). “News influence on our pictures of the world”. Media effects: Advances in theory and research. ↩︎

  5. Isto acontece com blogs que utilizam trackbacks para linkar sítios na web que têm um link associado a esse artigo. É uma forma de a comunidade em torno desse assunto se manter honesta. Se não concordar com algo publicado por um blog, e se tiver provas do contrário, pode publicar uma resposta. Um hyperlink para o seu artigo surgirá no post original. Esta prática perdeu-se porque também foi utilizada para espalhar spam. ↩︎

  6. Peço desculpa, mas falta-me a referência onde li isto. É algo que tenho notado quando ensino: todos na minha turma de pós-graduação têm medo de dar uma resposta errada. Mesmo depois de eu explicar que não estamos lá para ter respostas certas ou erradas! ↩︎


avatar Bruno Amaral
Bruno Amaral

Sou um Estratega Digital, dividido entre tecnologia e criatividade, a trabalhar para o Lisbon Collective e a ensinar Relações Públicas na …